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Soluções para a crise climática

Soluções para a crise climática

A terceira parte do mais recente relatório do IPCC, “Mitigation of Climate Change”, analisa maneiras de resolver o problema das alterações climáticas por meio da redução das emissões de gases com efeito de estufa e a influência humana no clima.

Esta parte do relatório, redigida pelo Grupo de Trabalho III do IPCC, foi publicada em abril de 2022. A mesma explora formas de reduzir as emissões e remover o CO2 da atmosfera em diferentes setores da atividade humana, como energia, transporte, edifícios, indústria, gestão de resíduos, agricultura e silvicultura. É necessária uma perspetiva de curto e de longo prazo, analisando a viabilidade técnica, custos, compromissos e outras considerações importantes. Vimos como é que podemos reduzir as emissões aqui na nossa explicação sobre a tarefa que enfrentamos.

O relatório apresenta uma visão de um futuro mais seguro e com maior qualidade de vida, mas também deixa bem claro que ainda estamos longe do caminho certo, com muitos obstáculos à mudança.

Quais eram as novidades deste relatório?

Os relatórios do IPCC resumem as investigações disponíveis sobre o tema das alterações climáticas (mais sobre a forma como o processo funciona aqui). Deste modo, podemos ver as mudanças ocorridas no campo desde o último relatório (AR5), publicado em 2014, e identificar os novos desenvolvimentos. Por exemplo, de acordo com a Zero Carbon Analytics, pela primeira vez na história do IPCC, este relatório incluiu capítulos dedicados à tecnologia, inovação e medidas do lado da procura. Pode ler o briefing completo no site da Zero Carbon Analytics.

Este relatório analisou muitos cenários e opções diferentes para o nosso futuro coletivo e descobriu que um cenário (chamado SSP1-1.9) em particular permite reduções de emissões rápidas e justas e as melhores hipóteses de um futuro com qualidade de vida para o maior território possível do planeta. A maior parte do esforço reside numa rápida transição para as energias renováveis, de modo a eletrificar uma grande quantidade de infraestruturas sociais (por exemplo, as nossas casas, cidades, transporte); e isso começa com uma rede elétrica verde. Isto significa que já não há espaço para novos combustíveis fósseis – na verdade, o relatório conclui que a infraestrutura existente de combustíveis fósseis por si só nos levará além do ambicioso propósito do objetivo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5°C.

IPCC Explainer: Parar as alterações climáticas por John Lang/eciu

Impactos climáticos e adaptação

Impactos climáticos e adaptação

A segunda parte do mais recente relatório do IPCC, “Impacts, Adaptation and Vulnerability”, avalia os impactos das alterações climáticas e se o mundo natural e as sociedades humanas se conseguem adaptar às mesmas.

Esta parte do relatório, redigida pelo Grupo de Trabalho II do IPCC, foi publicada em fevereiro de 2022. A mesma analisa os ecossistemas, a biodiversidade e as comunidades humanas ao nível global e regional, acompanhando e avaliando os diversos impactos das alterações climáticas e vulnerabilidades. Já abordámos alguns exemplos da forma como estes impactos se manifestam noutra explicação.

O relatório conclui que, neste momento, é inequívoco que “as alterações climáticas são uma ameaça para o bem-estar humano e a saúde do planeta” e que “qualquer novo atraso na ação global preventiva acordada sobre adaptação e mitigação perderá uma janela de oportunidade breve e que se está a fechar rapidamente para garantir um futuro com qualidade de vida e sustentável para todos”.

Quais eram as novidades deste relatório?

Os relatórios do IPCC resumem as investigações disponíveis sobre o tema das alterações climáticas (mais sobre a forma como o processo funciona aqui). Deste modo, podemos ver as mudanças ocorridas no campo desde o último relatório (AR5), publicado em 2014, e identificar os novos desenvolvimentos. Por exemplo, de acordo com a Zero Carbon Analytics, este relatório integrou mais dados da economia e das ciências sociais e destacou o importante papel da justiça social na adaptação às alterações climáticas. Pode ler o briefing completo no site da Zero Carbon Analytics.

Outras novas descobertas importantes incluem um conhecimento mais aprofundado dos fenómenos meteorológicos extremos e da forma como são alimentados pelas alterações climáticas, graças ao facto de os académicos começarem a compreender melhor a “ciência da atribuição”. Além disso, este relatório mostrou que existem limites rígidos à adaptação – alguns ecossistemas e comunidades sofrerão mudanças tão profundas que ficarão irreconhecíveis e será impossível para os mesmos prosperarem como anteriormente. Também explorou em profundidade o conceito da má adaptação; a ideia de que se a adaptação aos impactos de um mundo em aquecimento não for feita de forma ponderada e colaborativa, corremos o risco de reforçar as desigualdades sociais e de nos prendermos a más escolhas existentes que atualmente impulsionam a crise climática e a perda de biodiversidade.

IPCC Explainer: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade por John Lang/eciu

A ciência física das alterações climáticas

A ciência física das alterações climáticas

A primeira parte do mais recente relatório do IPCC, “The Physical Science Basis”, descreve o sistema climático e a forma como os seres humanos estão a interferir com o mesmo.

Esta parte do relatório, redigida pelo Grupo de Trabalho I do IPCC, foi publicada em agosto de 2021. A mesma examina a base física das alterações climáticas passadas, presentes e futuras, recorrendo a mais de 14 000 artigos publicados. O relatório conclui que a humanidade é “inequivocamente” responsável pelo aquecimento global e que continuamos a conduzir o planeta a um estado permanentemente alterado.

Quais eram as novidades deste relatório?

Os relatórios do IPCC resumem as investigações disponíveis sobre o tema das alterações climáticas (mais sobre a forma como o processo funciona aqui). Deste modo, podemos ver as mudanças ocorridas no campo desde o último relatório (AR5), publicado em 2014, e acompanhar os novos desenvolvimentos. Isto foi precisamente o que a Zero Carbon Analytics fez utilizando fontes publicadas antes do lançamento do primeiro relatório AR6.

Por exemplo, pela sua contagem, desde o AR5 emitimos quase 300 mil milhões de toneladas adicionais de CO2, o que nos aproxima dos objetivos fundamentais de temperatura do Acordo de Paris. De facto, no seu relatório especial de 2018, o IPCC previu que o objetivo de 1,5 °C seria ultrapassado entre 2030 e 2052 se não mudássemos a nossa trajetória. Pode ler o briefing completo no site da Zero Carbon Analytics.

Outras conclusões cruciais incluem a necessidade de reduzir rapidamente as emissões de metano juntamente com as emissões de carbono e a rápida consolidação da “ciência da atribuição”, que permite vincular o aquecimento global às alterações no sistema climático da Terra. As marcas deixadas pela humanidade estão por toda a parte.

IPCC Explainer: The Science of Climate Change by John Lang/eciu

Como é que os seres humanos utilizam os combustíveis fósseis?

Como é que os seres humanos utilizam os combustíveis fósseis?

O carvão, o petróleo e o gás alimentaram o desenvolvimento industrial – e as rápidas alterações climáticas.

Chamamos combustíveis fósseis ao carvão, petróleo e gás porque derivam dos restos de plantas e animais antigos na crosta terrestre. Essencialmente, são a energia do sol capturada pelas plantas através da fotossíntese e aprisionada em compostos de carbono. Desde o momento em que o carvão foi descoberto pelos primeiros seres humanos, os combustíveis fósseis serviram de fonte de luz, calor e, por fim, eletricidade. Têm uma densidade energética muito mais elevada (o que significa que contêm mais energia por cada unidade de massa) do que, por exemplo, a madeira e são fáceis de armazenar, transportar e utilizar.

À medida que os seres humanos foram aprendendo mais sobre física e química, descobrimos cada vez mais formas de utilizar os combustíveis fósseis para gerar energia para as nossas casas, os nossos transportes e a indústria, bem como de transformar estes combustíveis em diversos produtos químicos úteis. No entanto, a dada altura no final do século XX, também descobrimos que a queima de combustíveis fósseis e a libertação de carbono antigo para a atmosfera interferiam com o sistema climático, provocando o aquecimento global e outros sintomas das rápidas alterações climáticas. As alterações climáticas eram e continuam a ser principalmente um problema associado aos combustíveis fósseis, dado que a grande maioria das emissões de CO2 provém da queima de carvão, petróleo e gás. Este é o motivo pelo qual a necessidade de nos libertarmos da nossa dependência prescindível destes combustíveis é tão importante para resolver o problema. Em 2021, a Agência Internacional de Energia (IEA, International Energy Agency) corroborou as conclusões do IPCC quando defendeu que não deveria haver novos desenvolvimentos de combustíveis fósseis como estratégia fundamental para permanecer dentro dos limites seguros da subida global da temperatura.

Alimentar as nossas economias com combustíveis fósseis também causa poluição local onde quer que sejam utilizados: os derramamentos de petróleo e os resíduos das minas de carvão envenenam as águas e o solo, as fugas de metano dos gasodutos e os óxidos de nitrogénio libertados pela queima contribuem para o smog e a chuva ácida e as partículas finas provocam danos nos pulmões e até morte prematura. Isto significa que o problema da utilização de combustíveis fósseis não diz respeito apenas à influência a longo prazo no sistema climático, mas também às consequências mais imediatas e tangíveis para a natureza e os seres humanos.

Felizmente, à medida que aprendemos mais sobre física e química, descobrimos novas maneiras de produzir energia sem depender de recursos fósseis não renováveis que também aquecem e poluem a Terra. Na verdade, as fontes de energias renováveis, como a energia eólica e solar, continuam a ficar mais económicas e acessíveis, o que significa que os combustíveis fósseis podem agora ser substituídos por opções com emissões de carbono baixas ou nulas.

Onde utilizamos o petróleo e os seus derivados?

Stéphane M. Grueso

O querosene produzido a partir do petróleo foi inicialmente comercializado no século XIX como uma das alternativas ao óleo de baleia para iluminação. Mas as pessoas logo perceberam que outros derivados do petróleo com elevada densidade energética, como o gasóleo ou a gasolina, poderiam ser utilizados em motores de combustão interna e, em particular, para fins de transporte. Uma vez que estes tipos de combustível são líquidos, eram mais fáceis de utilizar do que os sólidos (como o carvão) ou os gases e ideais para os veículos. A sua densidade energética tornava-os particularmente adequados para os automóveis, que, agora mais leves, podiam percorrer distâncias mais longas, o que rapidamente fez com que os derivados de petróleo passassem a dominar o setor dos transportes. Atualmente, os esforços para descarbonizar este setor incluem avanços na tecnologia de baterias, onde os custos têm vindo a baixar drasticamente, e está a ser construída uma vasta infraestrutura para veículos elétricos. Também estamos a descobrir novas abordagens para alimentar aviões, navios e veículos pesados.

Alguns derivados do petróleo também são utilizados para produzir calor e eletricidade, mas isto também começou a mudar. A sua participação na geração de eletricidade tem vindo a diminuir constantemente e situa-se agora abaixo dos 3%, de acordo com a IEA. Resolver os desafios do setor dos transportes não vai ser fácil, mas já temos muitas maneiras de gerar calor e eletricidade que são muito melhores e mais limpas do que os combustíveis fósseis.

Para além do transporte, calor e energia, uma grande variedade de processos de refinamento dá origem a toda uma família de produtos chamados petroquímicos. Estes são amplamente utilizados no fabrico de plásticos, fibras e borracha sintética, bem como diversos produtos químicos industriais, como solventes, detergentes e corantes. A produção de petroquímicos representa cerca de 12% da procura global de petróleo, de acordo com a IEA. Estes são utilizados em artigos quotidianos, como vestuário e embalagens, e também “em muitos elementos do sistema energético moderno, incluindo painéis solares, pás de turbinas eólicas, baterias, isolamento térmico de edifícios e peças elétricas de veículos.” Embora os investigadores estejam a trabalhar em alternativas mais limpas a estes produtos derivados do petróleo, também é de salientar que a respetiva pegada ecológica pode e deve ser reduzida significativamente por meio de uma melhor reciclagem e gestão de resíduos, eficiência energética e controlo da poluição.

Onde utilizamos o carvão?

A IEA afirma que o carvão é a fonte de energia mais utilizada a nível mundial para gerar eletricidade e a maior fonte de emissões de CO2. Segundo o IPCC, para atingir emissões líquidas nulas de CO2 até 2050, temos de parar de queimar carvão sem capturar as emissões – e estas tecnologias ainda não estão disponíveis na escala necessária. Nas recentes conferências da ONU sobre as alterações climáticas, verificou-se uma mudança de atitude nesse sentido em palestras sobre a redução gradual do carvão e o aproveitamento da conjuntura das energias renováveis. Além disso, desde a produção e o transporte até às centrais elétricas a carvão, o carvão é uma fonte importante de poluição atmosférica perigosa – a eliminação da geração de energia a partir do carvão terá grandes benefícios adicionais para a saúde humana.

As indústrias do aço e cimento queimam carvão para alimentar os processos de produção, que requerem a manutenção de temperaturas muito elevadas (superiores a 1000 °C).. A eletrificação destes processos industriais e de outros semelhantes é difícil e por vezes mesmo impossível, pelo que, provavelmente, serão desenvolvidos combustíveis com emissões nulas de carbono, como biocombustíveis ou hidrogénio produzido com eletricidade renovável, para este âmbito limitado de utilizações.

Também é possível transformar carvão em gás de síntese, uma mistura de monóxido de carbono e hidrogénio que pode depois ser utilizada para produzir combustíveis sintéticos líquidos. Embora a queima destes combustíveis não seja tão poluente, o carvão ainda é o recurso principal, o que significa que, apesar da conversão, continuam a ser combustíveis finitos à base de carbono. Uma alternativa, se necessário, é produzir combustíveis sintéticos semelhantes por meios “mais ecológicos”, mantendo o carvão no solo, por exemplo, para substituir derivados do petróleo no transporte marítimo e aéreo. Da mesma forma, nos casos em que o hidrogénio possa ser necessário, existem maneiras de produzir utilizando energias renováveis em vez do combustível de hidrogénio “preto” e “castanho” feito a partir de carvão.

Onde utilizamos o gás?

Aquilo a que chamamos gás é uma mistura de hidrocarbonetos que consiste principalmente em metano: o gás com efeito de estufa mais potente a seguir ao CO2. Portanto, a pegada de carbono do gás inclui as emissões de CO2 resultantes da respetiva queima para gerar calor e eletricidade e também as fugas de metano dos gasodutos e outras infraestruturas. Os governos e a indústria que apoiam o gás afirmam que o gás é um combustível de energia limpa, mas pode ser tão prejudicial para o clima como o carvão, porque geralmente é enviado para territórios ultramarinos na forma liquefeita e ocorrem fugas de metano em todas as etapas desse processo.

O gás é utilizado para a produção de eletricidade e para processos industriais, como o fabrico de cimento. Em muitos países do Hemisfério Norte, as pessoas ainda usam fogões a gás para cozinhar, embora existam alternativas elétricas mais eficientes e rápidas. Investigações recentes demonstraram que a utilização de fogões a gás é prejudicial para a saúde humana. De acordo com uma estimativa, os fogões a gás libertam cerca de 1% do combustível que utilizam sob a forma de metano não queimado, produzem partículas finas que irritam os pulmões e as vias respiratórias e podem infringir os limites de exposição segura a emissões de óxidos nitrosos.

Tal como o petróleo, o gás pode ser utilizado para produzir substâncias químicas, além de ser utilizado na produção de adubos azotados e também hidrogénio “azul”. Novas tecnologias como o amoníaco verde, que é produzido com energias renováveis, estão a começar a permitir que a indústria química vença a sua dependência do gás. A descarbonização da produção de adubos provocará uma redução das emissões e pode fazer com que o nosso sistema alimentar e os preços dos alimentos se tornem menos sensíveis aos preços dos combustíveis fósseis.

Recursos úteis

  • O Secretário-Geral das Nações Unidas delineia cinco acções críticas que o mundo precisa de priorizar agora para transformar os nossos sistemas energéticos e acelerar a mudança para as energias renováveis
  • Um relatório da BBC fala sobre o pedido do Secretário-Geral de um imposto sobre os lucros dos combustíveis fósseis

Impactos das alterações climáticas: casos práticos

Impactos das alterações climáticas: casos práticos

As alterações climáticas não se prendem apenas com dados e tendências – têm consequências graves para o bem-estar das pessoas e do planeta.

No seu relatório mais recente sobre os impactos e a adaptação, o IPCC afirma que as alterações climáticas induzidas pela atividade humana “causaram impactos adversos generalizados, assim como perdas e danos relacionados com a natureza e as pessoas, para além da variabilidade climática natural”. Alguns desses impactos estão a acontecer lentamente e “nos bastidores” como tendências a longo prazo ao nível da temperatura e precipitação ou de outras variáveis climáticas. Também os presenciamos nas alterações nos ecossistemas, quando as plantas e os animais mudam de habitat ou acabam mesmo por desaparecer.

Outros impactos assumem a forma de fenómenos meteorológicos extremos, que os cientistas conseguem associar ou atribuir às alterações climáticas.. Os fenómenos extremos, como vagas de frio, chuvas torrenciais ou vagas de calor, que são pouco prováveis, mas podem ter consequências profundas, sempre fizeram parte da variabilidade climática natural. Através da nossa influência sobre o sistema climático, porém, os seres humanos estão a “pôr o dedo na balança”, com estes fenómenos a tornarem-se mais prováveis e as suas consequências cada vez mais graves. Os relatórios do IPCC referem-se a esta manifestação como “para além da variabilidade climática natural”.

Graças à criatividade e resiliência humanas, muitas comunidades encontraram formas de se adaptarem aos impactos climáticos agudos e a mais longo prazo, minimizando a devastação que causam. Ainda assim, a adaptação a alguns impactos é simplesmente impossível e as perdas que os mesmos causam são, muitas vezes, irreversíveis. Enquanto estivermos a adiar a tomada de medidas significativas para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, estamos também a perder a nossa capacidade de adaptação. Esta situação deve-se, em parte, ao facto de o tempo estar a esgotar-se para algumas das soluções que poderiam ter funcionado anteriormente em níveis de aquecimento mais baixos. Também se deve aos custos cada vez mais elevados, assim como a uma capacidade de adaptação cada vez menor, em que os seres vivos e as comunidades, que são fustigados por impactos diversos ou excessivamente frequentes, perdem a capacidade de recuperar.

Neste estudo exaustivo, analisaremos exemplos recentes de calor extremo, inundações e seca, em que os climatologistas que trabalham para o projeto World Weather Attribution (WWA) conseguiram identificar e quantificar a ligação às alterações climáticas.

Solos e oceanos em condições de calor extremo

Alisdare Hickson / Flickr

Na primavera e no verão de 2022, temperaturas anormalmente elevadas atingiram várias regiões do mundo. Em primeiro lugar, a Índia e o Paquistão, assim como extensões consideráveis do Sul da Ásia, viveram uma vaga de calor que foi 30 vezes mais provável de acontecer devido às alterações climáticas, de acordo com as estimativas do WWA.. Os cientistas salientam que, embora as vagas de calor não sejam invulgares antes das monções, a combinação de calor extremo e chuva em quantidade muito inferior à média deu origem a consequências desastrosas para a saúde pública e a agricultura. Estes impactos foram agravados por outros riscos não climáticos, como escassez de carvão, o que levou a cortes de abastecimento de energia na Índia. Também tiveram implicações de grande alcance para o resto do mundo, uma vez que a diminuição do rendimento na cultura do trigo impediu que a região complementasse o abastecimento global afetado pela guerra na Ucrânia.

Mais tarde em 2022, as vagas de calor do verão na Europa provocaram grandes transtornos na vida das pessoas e na atividade económica. Em França, o calor excecional interferiu com a produção de eletricidade das centrais nucleares, enquanto o Reino Unido registou a sua primeira temperatura acima de 40 °C. Uma análise do WWA concluiu que, sem as alterações climáticas causadas pela atividade humana, essa situação seria extremamente improvável.

O calor extremo pode ser igualmente perigoso tanto para os oceanos como para os solos. Aos períodos prolongados com temperaturas anormalmente elevadas nas águas superficiais dá-se o nome de vagas de calor marinhas e a sua frequência e intensidade aumentaram em mais de vinte vezes devido às alterações climáticas, de acordo com um estudo de 2020.. Este estudo também demonstrou que, das sete vagas de calor marinhas de maior impacto desde 1981, todas elas, à exceção de uma, podem ser associadas ao aquecimento impulsionado pela atividade humana.

Inundações: precipitação extrema e tempestades tropicais

Bärwinkel,Klaus, CC BY-SA 4.0

Em janeiro e fevereiro de 2022, Madagáscar, Moçambique, Maláui e Zimbabué vivenciaram uma série de tempestades tropicais, incluindo três que foram intensas o suficiente para serem qualificadas como ciclones tropicais. Estas tempestades trouxeram mortes e ferimentos, assim como danos extensos nas infraestruturas, e as suas consequências a longo prazo para o bem-estar das comunidades locais altamente vulneráveis ainda não são totalmente conhecidas. A equipa do WWA conseguiu demonstrar que as alterações climáticas aumentaram a probabilidade e intensidade das chuvas associadas a duas das tempestades, a Tempestade Tropical Ana e o Ciclone Tropical Batsirai.

Em 2021, dois dias de fortes chuvadas, agravadas pelas condições de pluviosidade anteriores e por outros fatores locais, causaram graves inundações na Alemanha e em partes da Europa Ocidental. Mais de duzentas pessoas perderam a vida e outras centenas, se não mesmo milhares, depararam-se com danos nas suas casas e infraestruturas de transporte ou não tiveram temporariamente acesso a serviços de evacuação e resposta de emergência. Embora seja difícil detetar as tendências locais de precipitação e elaborar conclusões sobre a probabilidade de as alterações climáticas darem origem a estes fenómenos, o estudo do WWA estabeleceu que é evidente uma tendência ascendente em vastas regiões da Europa Ocidental.

Seca e escassez de água

A falta de precipitação devido à seca pode ser tão devastadora como tempestades e inundações. No verão de 2022, a escassez de água, os incêndios e a perda de colheitas no Hemisfério Norte foram impulsionados pelas elevadas temperaturas acima mencionadas e pela precipitação excecionalmente escassa, com os solos a secarem particularmente na Europa e China continental. A análise do WWA determinou que a causa está relacionada com as temperaturas superiores à média e não com as precipitações mais baixas, o que significa que os nossos sistemas agrícolas e energéticos são mais suscetíveis de enfrentar este “golpe duplo” de riscos combinados à medida que o clima aquece.

Recursos úteis

Compreender a remoção de dióxido de carbono

Compreender a remoção de dióxido de carbono

Para impedir um nível perigoso de aquecimento, temos de reduzir as emissões de forma rápida e significativa. Mas como as ações têm vindo a ser adiadas há décadas, a redução das emissões poderá já não ser suficiente.

A forma como abordamos as alterações climáticas como um problema global depende tanto das nossas escolhas no desenvolvimento político e económico como das condicionantes físicas do sistema climático, nomeadamente o próprio efeito de estufa. Enquanto continuarmos a emitir dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa para a atmosfera, estamos a exercer mais pressão sobre o clima, reduzindo cada vez mais a lista de opções ao nível de políticas. Tal como debatido na [explainer on carbon budgets] explicação sobre os orçamentos de carbonohá um limite para o que podemos emitir até ultrapassarmos os limites de segurança no que diz respeito à subida de temperatura. E se houver uma “despesa excessiva”, as gerações atuais e futuras poderão receber a conta sob a forma de vários impactos no clima. [various climate impacts] (link to the case studies deep dive).

Os fenómenos físicos subjacentes a este problema que enfrentamos também apresentam potenciais soluções. Por outras palavras, se a libertação de CO2 para a atmosfera a partir de centrais elétricas ou devido ao transporte pode aquecer a Terra, então a respetiva remoção poderá compensar e limitar, ou mesmo reverter, a subida de temperatura. Esta é a ideia por detrás das tecnologias de remoção de dióxido de carbono (RDC), que, após anos de progresso insuficiente no que diz respeito às alterações climáticas, estão agora a ser cada vez mais discutidas como uma potencial solução.

Atualmente, a RDC serve de base a muitos planos e compromissos de “neutralidade”, onde algumas emissões de gases com efeito de estufa que já ocorreram ou ocorrerão no futuro são “anuladas” pelas remoções, surgindo muitas vezes num outro local que não o do emissor. Também é utilizada nos chamados “cenários de ultrapassagem”, onde os objetivos de temperatura estabelecidos no Acordo de Paris são temporariamente infringidos pelo facto de não reduzirmos as emissões com a rapidez suficiente. Nestes casos, a RDC ajuda-nos a regressar à “zona segura” ainda neste século, fazendo com que as nossas emissões totais de CO2 atinjam valores negativos ao retirar mais CO2 do que emitimos.

É mesmo possível retirar CO2 da atmosfera?

Adam Cohn

A extração de CO2 é possível e, de certa forma, tem vindo sempre a acontecer. Vários tipos de RDC estão atualmente a serem discutidos, dependendo dos mecanismos químicos que são utilizados para capturar o gás com efeito de estufa em questão e a forma como o carbono capturado é depois armazenado. Um dos mecanismos é a fotossíntese, o processo natural através do qual as plantas e algumas bactérias transformam a água, a energia luminosa e o dióxido de carbono em energia química, libertando oxigénio durante o processo. A fotossíntese é o motivo pelo qual a atmosfera da Terra tem oxigénio suficiente para conservar formas de vida complexas, como os seres humanos. É também o meio pelo qual os organismos vivos capturam e armazenam mais de metade de todas as emissões de CO2 provenientes da atividade humana atual, tornando-os sumidouros de carbono.

Os cientistas têm incluído estes sumidouros de carbono naturais na sua modelização. No entanto, para que a fotossíntese seja considerada um método de RDC adequado, tem de ser intencional e adicional ao que a natureza já faz por iniciativa própria. Por outras palavras, não podemos simplesmente pensar em todas as plantas na Terra como um projeto de RDC gigante e depender exclusivamente dele. Em vez disso, as pessoas podem plantar e preservar intencionalmente florestas em terra ou em zonas costeiras, enriquecer os solos ou cultivar algumas plantas utilizadas para produzir biocombustível (e depois capturar o CO2 proveniente da respetiva queima).

Se as plantas podem utilizar a química para capturar CO2, também as pessoas podem utilizar a química para este efeito. Por exemplo, quando certos solventes ou sorventes são expostos ao ar livre, eles ligam-se ao CO2 e absorvem-no, de forma semelhante a uma esponja que absorve a água. E, tal como uma esponja, o CO2 pode depois ser separado e os químicos iniciais reutilizados. Este processo é denominado captura direta do ar (DAC, Direct Air Capture) e o CO2 resultante é armazenado algures para garantir que é completamente removido, não sendo novamente emitido para a atmosfera. Existem materiais sólidos e líquidos que podem ser utilizados para a DAC, assim como alguns métodos inovadores menos desenvolvidos para retirar CO2 do ar.

A corrosão atmosférica, ou a deterioração gradual das rochas e dos minerais em contacto com o ar, a água ou organismos vivos é outro processo natural que já causa impacto no mundo à nossa volta e que podemos aproveitar intencionalmente para combater as alterações climáticas. Alguns mecanismos químicos da corrosão atmosférica envolvem o CO2 da atmosfera e esta condição pode ser propositadamente melhorada de forma a acelerar reações, por exemplo, espalhando basalto finamente moído pelas superfícies. À semelhança do que acontece com as plantas, porém, só é considerada RDC se for intencional e se o CO2 for capturado com sucesso.

A RDC pode resolver o nosso problema do clima?

Embora os conceitos químicos fundamentais de vários tipos de RDC parecerem bastante sólidos no papel, torná-los uma realidade tem constituído um desafio significativo até ao momento. Os processos químicos da captura direta do ar e o aperfeiçoamento do procedimento de corrosão atmosférica podem envolver um consumo intensivo de energia e podem não ser muito eficientes. Atualmente, o CO2 capturado através destes métodos implica um custo tão elevado que deixa de fazer sentido, a nível económico, continuar com estes projetos. Parte da razão para tal está no facto de, ao contrário das energias renováveis, estas tecnologias ainda se encontrarem num estado embrionário.

No caso da RDC biológica, as plantas têm vindo a aperfeiçoar a fotossíntese ao longo de milhões de anos, tornando essa “tecnologia” natural bastante desenvolvida. Mas a RDC biológica, que utiliza florestas plantadas pelos seres humanos, pode ter repercussões significativas na segurança alimentar, na biodiversidade e nos direitos sobre as terras. Além disso, embora seja menos dispendiosa do que a RDC química, a dimensão atual da nossa influência sobre o clima faz com que a RDC biológica não consiga compensar a situação por si só. Uma vez mais, as condicionantes físicas estão aqui em jogo: para o nosso nível atual de emissões de gases com efeito de estufa, simplesmente não existe terra suficiente no nosso planeta. E, naturalmente, a remoção do carbono pelas plantas não seria permanente, nem mesmo a longo prazo, se as árvores e plantas utilizadas não forem cuidadosamente protegidas contra os incêndios ou o abate.

Se a RDC for utilizada para cobrir as nossas “despesas excessivas” coletivas do orçamento de carbono, é necessário reunir provas de que seria permanentemente removido CO2 suficiente da atmosfera. Para tal, seriam precisos métodos fiáveis para medir o CO2, comunicar as informações e verificar os resultados, mas ainda nenhum deles foi implementado.

De um modo geral, contar com a RDC para resolver o nosso problema do clima seria como fazer uma aposta arriscada num futuro desfecho que ainda só é vago. Simplesmente não existem certezas de que estas soluções tecnológicas se consolidem a tempo de nos impedir de causar uma ultrapassagem da temperatura. Se, presentemente, adotarmos políticas que dependam destas soluções tecnológicas e depois as mesmas não funcionarem da maneira como realmente precisamos, estaremos a perder a oportunidade que temos agora de impedir que as emissões entrem na atmosfera – e não poderemos recuar no tempo para fazer escolhas diferentes.

Então, o que é que a RDC pode fazer?

O IPCC afirma que a RDC pode ajudar-nos a contrabalançar as emissões residuais “difíceis de abater” de, por exemplo, aviões ou processos industriais pesados. A descarbonização total nestes setores pode ser proibitivamente dispendiosa ou demorar demasiado tempo pelo facto de as tecnologias necessárias ainda não estarem disponíveis em escala. Para ajudar a evitar os impactos no clima decorrentes das emissões nestas áreas, a RDC pode ser utilizada para compensar as respetivas atividades ao remover o CO2 da atmosfera.

É provável que, nas próximas décadas, a remoção do carbono seja limitada e esteja longe de conseguir lidar com a quantidade de emissões que necessitam de ser contabilizadas em cada ano para evitar que os limites de aquecimento sejam excedidos. Como tal, o IPCC indica que a capacidade limitada da RDC apenas deve abranger os setores “difíceis de abater” e não pode ser vista como uma solução única para todos os problemas Na verdade, o último relatório do IPCC reduziu o papel da RDC nas suas vias económicas propostas em comparação com os seus cenários anteriores para cumprir os objetivos do Acordo de Paris. A mensagem é clara: a redução das emissões deve estar no centro das nossas ações.

Recursos úteis

  • Num evento durante a COP27 no Egipto, os autores do IPCC falam sobre o RDC e como este é apresentado no relatório do Grupo de Trabalho 3
  • O primeiro relatório do seu género State of Carbon Dioxide Removal Report, publicado no início de 2023, analisa globalmente o estado do RDC
  • Um glossário de terminologia do RDC da American University
  • Outro explicativo sobre como funciona o RDC da American University

O que é o orçamento de carbono?

O que é o orçamento de carbono?

A ciência consegue delinear as consequências perigosas dos diversos níveis de aquecimento para os seres humanos e para outras formas de vida na Terra, mas tratam-se de possíveis destinos e não de roteiros.

Os objetivos do Acordo de Paris de 2015 baseiam-se nas implicações que um aquecimento de 1,5 °C e 2°C teria para os seres humanos e outras espécies. Estes definem os limites relativamente “seguros” dentro dos quais irão ocorrer alguns danos irreversíveis, mas não catastróficos. Os relatórios do IPCC e outras investigações demonstram que limitar a subida de temperatura média global, neste século, para muito abaixo de 2°C significa que poderemos evitar as consequências mais perigosas das alterações climáticas. Se o fizermos, há também a esperança de adaptar e construir um futuro resiliente e mais sustentável.

Porém, não existe um termóstato para a Terra inteira no qual possamos marcar estes números facilmente. Os objetivos de temperatura por si só não são suficientes para orientar a política das alterações climáticas, uma vez que o nível de aquecimento que atingirmos irá depender de um complexo leque de decisões tomadas ao longo do tempo pelos governos e empresas em todo o mundo. Estas tomadas de decisões nacionais, regionais e locais serão eficazes na definição de objetivos políticos e na criação de incentivos à mudança através do controlo das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) em vez da temperatura.

Para traduzir a temperatura em emissões e tornar os objetivos de Paris praticáveis, os cientistas utilizam os chamados “orçamentos de carbono”. Em alguns aspetos, funcionam de forma semelhante a um orçamento financeiro: existe um limite para as despesas totais, ou seja, a quantidade de gases com efeito de estufa que podemos emitir, garantindo a permanência na “zona segura”. Assim, conseguimos evitar o endividamento, o que, neste caso, representa as gerações futuras. Mas os orçamentos de carbono são também muito diferentes. Por norma, uma verificação das suas contas financeiras e rendimentos é suficiente para avaliar os limites em matéria de despesas pessoais, ao passo que, num orçamento de carbono, os cientistas devem também calcular a quantidade total de emissões de gases com efeito de estufa compatíveis com vários níveis de aquecimento.

Com estes cálculos incluídos, os orçamentos de carbono apresentam-nos várias informações: como está de facto a nossa situação (o orçamento histórico ), durante quanto mais tempo podemos “gastar” tendo em conta os níveis atuais (o orçamento restante ) e como seria uma distribuição justa e equitativa ao partilhar o orçamento total entre os países.

O que é o orçamento de carbono?

No seu próprio orçamento, só é possível determinar o valor final (quanto dinheiro tem disponível sem ter de se preocupar com despesas excessivas) com os detalhes dos seus rendimentos e custos. Do mesmo modo, para dar início a um orçamento de carbono, os cientistas têm de identificar as fontes de carbono que entram na atmosfera e os sumidouros que removem o carbono da mesma (como florestas ou oceanos). Os avanços nas ciências do clima e da terra sugerem que é possível criar um equilíbrio do ciclo de carbono na natureza e depois adicionar uma outra fonte: as emissões provenientes da atividade humana.

Num orçamento financeiro pessoal, pode ser importante não descer abaixo de zero para evitar situações em que não haja possibilidade de pagar algo ou que seja necessário recorrer a empréstimos dispendiosos. No sistema climático, a quantidade de carbono na atmosfera, medida como uma concentração em “partes por milhão” (ppm), cria o “efeito de estufa” e determina o nível da temperatura média global. É com este nível de temperatura que estamos preocupados, uma vez que exceder o limite de 2°C do Acordo de Paris traria consequências que os países consideraram ser inaceitáveis.

Para equilibrar o seu próprio orçamento, pode reduzir alguns custos, tentar ganhar mais ou obter um empréstimo, o que, nesta última opção, implicará ter de recorrer aos seus rendimentos futuros para pagar o empréstimo com juros. Para equilibrar um orçamento de carbono, também podemos “reduzir os custos”. Para o efeito, temos de descobrir como nos podemos adaptar às consequências do aquecimento global, porém, as opções são bastante limitadas – não podemos, por exemplo, negociar com a calota de gelo da Gronelândia uma redução do derretimento impulsionado pelas alterações climáticas. “Ganhar mais” num orçamento de carbono significa atingir reduções significativas das emissões através do uso de energias renováveis, da promoção da eficiência energética e de outras medidas. “Obter um empréstimo” significa transferir a responsabilidade para as gerações futuras, que terão de agir de forma mais agressiva, não só no sentido de reduzir as emissões, mas de forma que as mesmas atinjam níveis negativos, removendo com sucesso mais gases com efeito de estufa do que aqueles que são emitidos.

Por último, um orçamento financeiro pode ter rendimentos e despesas em várias moedas – uma vez que não é possível adicionar e subtrair diretamente estas unidades monetárias diferentes, convertemo-las numa moeda comum para fins de comparação. Do mesmo modo, os orçamentos são calculados para cada um dos gases com efeito de estufa na atmosfera e, em seguida, podem ser comparados através da sua “conversão” em unidades de equivalente de dióxido de carbono (eCO2) – é utilizado o dióxido de carbono por ser o gás com efeito de estufa dominante proveniente da atividade humana.

Matjaz Krivic / Climate Visuals Countdown

Então, qual é o nosso orçamento de carbono?

O exercício mais conhecido para controlar o nosso orçamento de carbono procede do Global Carbon Project – um projeto de investigação internacional apresentado no âmbito da iniciativa de investigação Future Earth sobre sustentabilidade global e um parceiro de investigação do Programa Mundial em matéria de Investigação Climática (WCRP). Em 2022, mais de 100 investigadores reuniram-se para elaborar a 17.ª edição do orçamento de CO2.

Em primeiro lugar, o orçamento do Global Carbon Project descreve as tendências nas emissões globais de CO2 que derivam do consumo energético e da utilização dos solos. Por exemplo, em 2022, as emissões de carbono fóssil continuaram a aumentar e atingiram 36,6 mil milhões de toneladas de CO2 – mais 1,0% em relação ao ano anterior. Este aumento foi ligeiramente mais acentuado do que no pico pré-pandémico anterior, em 2019, e está longe daquilo que é necessário para atingir os objetivos do Acordo de Paris. Em vez disso, é necessário que haja uma diminuição rápida na escala de aproximadamente 1,4 GtCO2 todos os anos de forma a atingir emissões líquidas zero de CO2 até 2050.

O orçamento de carbono global também nos indica a quantidade que ainda podemos emitir permanecendo dentro de um limite de aquecimento de 1,5 °C, 1,7°C ou 2°C, ou seja, 380, 730 e 1230 mil milhões de toneladas de CO2, respetivamente. Para tornarem estes valores menos abstratos, os cientistas geralmente apresentam os mesmos como anos em que “fazemos o mesmo que fizemos no ano anterior”. Com base nos níveis de emissões de 2022, temos mais nove anos até ultrapassarmos o limite de 1,5°C e apenas mais 18 e 30 anos até excedermos os limites mais elevados.

Recursos úteis

Os alimentos e as alterações climáticas

Os alimentos e as alterações climáticas

O sistema alimentar global – desde os campos e explorações agrícolas até às nossas mesas e baldes do lixo – assegura o sustento de mais de mil milhões de pessoas.

O relatório do IPCC de 2019 sobre as alterações climáticas e o solo afirma que a oferta de alimentos per capita aumentou mais de 30% desde 1961 e que o sistema alimentar global produz calorias mais do que suficientes para alimentar o mundo. No entanto, os dados mais recentes da ONU sugerem que 828 milhões de pessoas ainda eram atingidas pela fome em 2021 e que cerca de 45 milhões de crianças menores de cinco anos sofrem de emaciação: a forma mais mortal de desnutrição.

O nosso sistema alimentar atual, já sob uma enorme e crescente pressão devido aos conflitos, choques económicos e aprofundamento da desigualdade, também está ameaçado pelas alterações climáticas. Por exemplo, de acordo com as mais recentes conclusões do IPCC sobre os impactos e a adaptação, as alterações climáticas já atenuaram o crescimento da produtividade e reduziram as existências de peixe. Devido ao facto de dependermos de uma pequena porção de culturas dominadas por algumas empresas, a escassez internacional de produtos e os picos de preços são cada vez mais prováveis num sistema altamente interligado e menos resiliente. Prevê-se que o agravamento do aquecimento, impulsionado pelas atuais e futuras emissões de gases com efeito de estufa, provoque perdas na produção agrícola e torne uma grande parte do mundo inadequada para os modelos agrícolas existentes.

O relatório do IPCC estima que o número de pessoas em risco de fome até 2050 aumentará entre 8 e 80 milhões, dependendo do nível de aquecimento. As populações mais afetadas serão as da África Subsariana, Sul da Ásia e América Central. Os pequenos e médios produtores de alimentos destas regiões desempenham um papel fundamental na segurança alimentar global, pois as famílias rurais dos países de baixo e médio rendimento produzem metade dos cereais de todo o mundo, bem como a maioria das frutas e vegetais. No entanto, estas já carecem de recursos para compensar as perdas devido a secas e outros fenómenos relacionados com o clima, que deverão agravar-se com as alterações climáticas, ou para se adaptarem a condições mais adversas.

Além disso, de acordo com o relatório, se as emissões de gases com efeito de estufa se mantiverem elevadas, até 30% das zonas de cultivo e exploração pecuária atuais tornar-se-ão impróprias para a produção de alimentos até ao final do século. Por outro lado, se reduzirmos as emissões rapidamente, perderemos menos de 8% destes terrenos agrícolas. Neste aspeto, o Sul da Ásia, o Sudeste Asiático, partes da Austrália, a região do Sahel em África e a área em torno da bacia do Amazonas na América do Sul são as regiões mais vulneráveis.

Não nos é possível simplesmente adaptar-nos a estas alterações adversas quando acontecerem ou evitar que aconteçam por meio das medidas de adaptação atuais. Mas a redução das emissões, junto com a diversificação dos sistemas de produção alimentar e das cadeias de abastecimento, irá diminuir estes riscos, através de uma maior resiliência dos sistemas alimentares globais e uma menor exposição a fenómenos meteorológicos extremos.

Além disso, a transição para sistemas alimentares mais ecológicos e respeitadores do clima tanto do lado da oferta como da procura reduzirá, por si só, o aquecimento: a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, Food and Agriculture Organization) estima que, até 2021, os sistemas alimentares mundiais foram responsáveis por mais de um terço das emissões globais de gases com efeito de estufa provenientes da atividade humana.

O que irá acontecer às culturas de produtos alimentares básicos?

Dhana Kencana / Climate Visuals

O rendimento das culturas aumentou nas últimas seis décadas, mas as alterações climáticas já reduziram cerca de 21% desse crescimento por meio de vários impactos, como a subida das temperaturas, fenómenos meteorológicos extremos mais frequentes e intensos e alterações nas populações de pragas e degradação do solo. Neste século, a tendência de crescimento do rendimento pode mesmo inverter-se em até 3,3% por década em culturas como o milho, a soja, o arroz e o trigo, dependendo da localização e da variedade específica da cultura. E, embora a presença de mais dióxido de carbono na atmosfera possa eventualmente estimular as culturas, não compensa o outro lado deste efeito: o aumento dos níveis de CO2 também reduz os níveis de nutrientes e vitaminas nas culturas, tornando-as menos nutritivas, e pode afetar a polinização e a reprodução.

O aquecimento induzido pela atividade humana agravará os riscos de quebras de produção simultâneas de culturas essenciais nos principais países, desencadeando um efeito dominó no sistema alimentar. O rendimento das culturas em diferentes áreas do mundo está ligado por meio de padrões climáticos de grande escala (por exemplo, El Niño e La Niña ou as fases de aquecimento e arrefecimento da variação periódica dos ventos e das temperaturas da água do mar à superfície na região leste tropical do Oceano Pacífico). As mudanças nestes padrões, impulsionadas pelas alterações climáticas, podem afetar as culturas de todo o mundo ao mesmo tempo. Na verdade, existem provas de que o risco de quebras simultâneas na produção agrícola já aumentou no caso do trigo, da soja e do milho, em comparação com o período de 1967-1990. Prevê-se que estes riscos aumentem drasticamente com o agravamento do aquecimento, junto com a possibilidade de perturbações globais no fornecimento de alimentos. As alterações climáticas também acarretam o risco de aumento da frequência de fenómenos meteorológicos extremos individuais em todo o mundo, criando uma potencial “tempestade perfeita” nas cadeias de abastecimento alimentares.

Se a temperatura média global subir mais de 2°C, a adaptação por si só será insuficiente para evitar que as alterações climáticas reduzam o rendimento das culturas, por muito dinheiro que seja investido em medidas de adaptação. Dito isto, a adaptação é certamente necessária e prevê-se que os custos da mesma combinados com os custos das perdas provocadas pelo aquecimento aumentem dos 63 mil milhões de dólares americanos por 1,5°C de aquecimento para os 128 mil milhões de dólares americanos por 3°C de aquecimento. Mas existem soluções para baixar esta fatura. Para além de reduções rápidas das emissões em todos os setores, a agricultura industrial, que apresenta um elevado consumo de energia e água, utiliza grandes quantidades de adubo e é baseada em monoculturas, pode e deve ser transformada para adotar uma abordagem mais diversificada e sustentável.

Como funcionará a criação de animais?

Robert Benson / Aurora Photos

A pecuária e a avicultura industriais em grande escala contribuem significativamente para as alterações climáticas induzidas pela atividade humana, devido às emissões de gases com efeito de estufa das explorações pecuárias e à utilização extensiva da terra para a produção de alimentos para animais. Muitas vezes, a criação de gado requer pastagens criadas por desmatamento de florestas, o que torna a carne e os laticínios resultantes especialmente intensivos em emissões: as árvores cortadas já não capturam carbono e, em vez disso, libertam o carbono armazenado previamente para a atmosfera. A digestão das vacas também produz metano, um gás com efeito de estufa mais potente do que o CO2, enquanto o cultivo de alimentos para animais aumenta as emissões de óxido nitroso derivadas da utilização de adubos. Vendo por outra perspetiva, o aquecimento induzido pela atividade humana também prejudica os animais de exploração, pois as altas temperaturas afetam a sua saúde, crescimento e produção.

Os relatórios do IPCC oferecem várias formas de resolver este problema. Do lado da oferta, uma melhor gestão dos terrenos utilizados para pastagem, um melhor tratamento do estrume animal e alimentos para animais de melhor qualidade podem tornar a criação de gado e a produção de alimentos menos intensivas em carbono, reduzindo a sua contribuição para as alterações climáticas induzidas pela atividade humana. Mas, em última análise, a procura deve mudar para dietas mais saudáveis e sustentáveis, em particular nos países desenvolvidos, favorecendo a proteína de origem vegetal e os produtos alimentares marinhos em detrimento da carne.

E a pesca e os produtos alimentares marinhos?

Shibasish Saha / Climate Visuals

As alterações climáticas afetam o oceano de várias maneiras, desde a conhecida subida das temperaturas da superfície, acidificação e subida do nível dos mares, até à proliferação excessiva de algas e redução dos níveis de oxigénio, propagação de parasitas, vagas de calor marinhas e outros fenómenos meteorológicos extremos. Devido aos impactos das alterações climáticas que já enfrentamos hoje, o rendimento global da pesca diminuiu 4,1% entre 1930 e 2010, com algumas regiões a sofrerem perdas de 15% a 35%. As vagas de calor marinhas em particular, que já causaram quebras na pesca e aquicultura a nível local, deverão tornar-se 20 a 50 vezes mais frequentes até ao final do século.

As populações de peixes são afetadas por alterações profundas no seu habitat Tal pode interferir nas rotas de pesca estabelecidas e afetar a captura potencial de produtos alimentares marinhos em regiões tropicais, somando-se a práticas já insustentáveis que incluem a sobrepesca extensiva e a utilização de redes de plástico – estes e outros equipamentos de pesca eliminados ou a “pesca fantasma” são a fonte mais mortal de poluição dos oceanos. Mais uma vez, vendo por outra perspetiva, a aquicultura, ou “cultura aquática” é uma fonte cada vez mais importante de peixe, produtos alimentares marinhos e algas que também é afetada pelos impactos climáticos.

Recursos úteis

  • A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, Food and Agriculture Organization) apresenta a sua edição de 2022 do relatório O Estado da Segurança e Nutrição Alimentar no Mundo num vídeo de cinco minutos.
  • Environmental impacts of food production da Our World in Data.
  • Um episódio de 24 minutos do Radio Davos, um podcast do Fórum Económico Mundial, intitulado “COP26: Feed the world without destroying the climate”.

Alterações climáticas e biodiversidade

Alterações climáticas e biodiversidade

As alterações climáticas e a perda de biodiversidade são dois dos desafios mais importantes que enfrentamos e estes interligam-se de muitas maneiras.

Embora a vida na Terra esteja sempre em constante evolução num clima em mudança, a estabilidade relativa ao longo dos últimos milénios ofereceu condições favoráveis tanto para a vida selvagem como para as civilizações humanas. Muitas plantas e animais adaptaram-se a temperaturas específicas ou à disponibilidade de água. Mas com estas mudanças atuais devido ao rápido aquecimento, muitas espécies não conseguirão adaptar-se atempadamente. Algumas espécies, sobretudo as que habitam nas regiões polares e montanhosas, não têm como fugir das temperaturas cada vez mais elevadas e, por isso, enfrentam o perigo de extinção. Além disso, os sinais climáticos alterados, como o início precoce da primavera, interferem nas atividades sazonais, como a floração ou o acasalamento, uma vez que estas perturbações têm repercussões na cadeia alimentar e nos ecossistemas.

Os incêndios florestais, as vagas de calor e outros fenómenos meteorológicos extremos assolam ecossistemas inteiros, tanto nos solos como nos oceanos. A recuperação destes eventos pontuais, que estão a aumentar em intensidade e frequência, também se está a tornar cada vez mais difícil. As pressões induzidas pelas alterações climáticas, tanto agudas como crónicas, apenas agravam ainda mais outros riscos que resultam, por exemplo, do abate das florestas, da poluição do ar, da água e dos solos, da caça e pesca excessivas, da proliferação de espécies invasivas, entre outros.

Além disso, a natureza sempre teve uma importância crucial para aliviar os impactos causados pelos seres humanos no clima global. Mais de metade de todas as emissões de CO2 derivadas da nossa atividade são capturadas pelas plantas através da fotossíntese e temporariamente armazenadas na biomassa viva e morta ou dissolvidas nos oceanos. Os organismos vivos também afetam os parâmetros físicos do sistema climático, como a refletividade da superfície terrestre e a formação de nuvens e poeiras na atmosfera.

Por conseguinte, os ecossistemas saudáveis e diversos podem ajudar os seres humanos a sobreviverem aos impactos no clima, como os fenómenos meteorológicos extremos – por exemplo, as florestas intactas retêm a água das chuvas e reduzem os danos causados pelas inundações, enquanto as zonas húmidas costeiras evitam a erosão e as inundações devido à subida do nível dos mares. Os ecossistemas também podem ajudar-nos na adaptação ao clima em mudança, sustentando os meios de subsistência e criando soluções alimentares e energéticas sustentáveis para as comunidades locais.

Por muito importante que seja, proteger a biodiversidade das alterações climáticas não se prende apenas com a preservação de seres vivos bonitos, para seu próprio bem. Os recifes de corais, ameaçados pelas crescentes vagas de calor marinhas, sustentam muitos meios de subsistência relacionados com a pesca. As florestas possuem valor económico e cultural para inúmeras comunidades locais. Além disso, uma vez que o aquecimento constante e a degradação ambiental desgastam a capacidade de armazenamento de carbono dos ecossistemas naturais, existe um risco significativo e crescente de retroações, agravando uma situação já de si grave.

O IPCC e a IPBES (a Plataforma Intergovernamental para a Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas) concluíram que a perda de biodiversidade e as alterações climáticas são ameaças inseparáveis para a humanidade, que devem ser combatidas em conjunto. Se não o fizermos, corremos o risco de sofrer perdas e danos irreversíveis. Mas, por outro lado, o seu sucesso trará benefícios adicionais para a nossa saúde e qualidade de vida.

O que é que o aquecimento previsto significa para a biodiversidade?

O relatório do Grupo de Trabalho II do IPCC de 2022 sobre os impactos e a adaptação especifica pormenorizadamente o que aconteceria às plantas, aos animais e a ecossistemas inteiros em diferentes cenários de aquecimento. Por exemplo, os ecossistemas marinhos e costeiros, como florestas de algas marinhas ou pradarias submarinas, ficarão irreversivelmente comprometidos ou destruídos se a subida de temperatura exceder o limiar de 1,5°C. Os recifes de corais enfrentam, por si só, um declínio de 70 a 90% neste nível de aquecimento; prevê-se que o declínio atinja 99% aos 2°C. Os esforços de conservação para a maioria dos recifes de corais não produzirão grande efeito se for ultrapassado o limite de 1,5°C de aquecimento. Além do aumento da temperatura média, os ecossistemas oceânicos e costeiros são também ameaçados pelas vagas de calor marinhas, que poderão vir a ser 20 vezes mais frequentes, mesmo que o aquecimento seja limitado a 2°C.

Dhana Kencana / Climate Visuals

A combinação de várias pressões derivadas das alterações climáticas e de outros impactos ambientais levará muito provavelmente à extinção de espécies vegetais e animais, pelo menos, 1000 vezes mais rapidamente do que a um ritmo natural, tanto na terra como no oceano. Mas esta situação ainda não está confirmada, uma vez que a redução das emissões de gases com efeito de estufa e a mudança da nossa trajetória climática diminuirão substancialmente a taxa de extinção.

Além da extinção de espécies individuais, as alterações climáticas podem e irão desencadear mudanças fundamentais e irreversíveis nos ecossistemas. Tal irá, por sua vez, afetar as condições meteorológicas locais e acelerar as alterações climáticas. Já estamos a observar mudanças nos biomas, por exemplo, desde as florestas tropicais até às savanas. Prevê-se que estas mudanças aconteçam em menos de 15% de terra se a subida de temperatura for inferior a 2°C, mas se falharmos este limite e a subida de temperatura atingir um valor próximo de 4°C, estas mudanças acontecerão em mais de um terço da superfície terrestre do planeta. Alterações ambientais desta dimensão terão repercussões profundas nos meios de subsistência e no bem-estar dos seres humanos, assim como na biodiversidade.

O que é que as diversas soluções significam para a biodiversidade?

O relatório do IPCC conclui que, à medida que a temperatura média global aumenta, as medidas de conservação por si só não serão suficientes para evitar perdas irreversíveis, quer em terra quer nos oceanos. Isto aplica-se especialmente a aumentos superiores a 2°C. A restauração da vegetação nativa, por exemplo, pode melhorar a resiliência local a fenómenos extremos, tais como vagas de calor e inundações, e promover o armazenamento de carbono, mas esta não constitui uma alternativa à ação climática. Para proteger a Terra e a biodiversidade das quais dependemos, temos de proteger os ecossistemas, dando-lhes a oportunidade de se adaptarem às novas condições, e minorar outras ameaças que derivam das alterações climáticas. Podemos fazê-lo através da redução das emissões de gases com efeito de estufa.

 

No entanto, algumas das soluções disponíveis para mudar os nossos sistemas energéticos e alimentares de forma a reduzir as emissões vêm com as suas próprias preocupações em matéria de biodiversidade. A bioenergia com captura e armazenamento de carbono (BECAC), por exemplo, em que as monoculturas de biocombustível são plantadas para combustível e o carbono produzido pela respetiva queima é capturado, armazenado e impedido de entrar na atmosfera, é uma alternativa amplamente debatida à utilização de combustíveis fósseis. Mas a BECAC exige grandes áreas de terra, o que entra em conflito com a proteção da natureza e pode interferir nos ecossistemas naturais. Do mesmo modo, a plantação de árvores para a captura de carbono não é uma solução milagrosa para combater as alterações climáticas; é sim uma ferramenta que deve ser cuidadosamente ponderada relativamente aos riscos envolvidos e exige uma governação adequada para garantir que é baseada em provas científicas e inclui as comunidades locais afetadas pela sua utilização.

O que estamos a fazer para resolver a crise de biodiversidade?

Além dos riscos para a biodiversidade serem discutidos no âmbito das alterações climáticas, é feita uma abordagem distinta relativamente a este desafio por grupos de trabalho internacionais. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), que entrou em vigor nos finais de 1993, visa proteger a diversidade biológica e utilizar os seus componentes sustentavelmente, de forma justa e equitativa. A última conferência das partes na Convenção (CDB COP15), que teve lugar no Canadá no final de 2022, terminou com um pacto marcante para deter e inverter a perda da natureza até 2030. Este pacto incluiu um pacote de medidas que exige a responsabilização dos governos pelo cumprimento dos seus compromissos.

Ashden / Ashden

Em 2012, para avaliar e resumir provas científicas relativas a esta questão, os governos também estabeleceram a IPBES, um órgão internacional para política e investigação da biodiversidade. Contando agora com quase 140 Estados-Membros, a IPBES avalia o estado da biodiversidade e os contributos da natureza para os seres humanos em vários relatórios temáticos, escritos e editados por centenas de cientistas voluntários de todo o mundo. Os dois últimos relatórios, redigidos no verão de 2022, abrangeram a utilização sustentável das espécies selvagens e as diferentes formas como as pessoas valorizam a natureza. Estes relatórios da IPBES concluíram que, por exemplo, muitas das espécies selvagens das quais as pessoas dependem em termos de alimento, energia ou rendimento já estão em declínio, uma situação que provavelmente se agravará ainda mais com as alterações climáticas. No entanto, também indicaram que a resolução destes problemas através da utilização de práticas mais sustentáveis contribuirá para aliviar os impactos no clima.

Recursos úteis

  • Sir David Attenborough fala sobre os motivos pelos quais a biodiversidade é importante num vídeo de 5 minutos da Royal Society.
  • Uma explicação da Carbon Brief sobre se as alterações climáticas e a perda de biodiversidade podem ser abordadas em conjunto.

Como é que as alterações climáticas se manifestam?

Como é que as alterações climáticas se manifestam?

A subida global da temperatura é um sinal importante das rápidas alterações climáticas atuais, mas também há outros sinais.

Tal como o IPCC observa no seu último relatório sobre a base científica das alterações climáticas, é “inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, os oceanos e o solo”, tendo também ocorrido outras alterações rápidas e generalizadas. Com diferentes graus de confiança, os cientistas podem associar a influência humana a alterações na precipitação, na circulação atmosférica global e na salinidade da água dos oceanos próxima da superfície e também ao recuo global dos glaciares desde a década de 1990, ao derretimento da superfície do manto de gelo da Gronelândia e à diminuição da área de gelo no mar Ártico, especialmente no verão.

No oceano, as emissões de CO2 causadas pela atividade humana têm impulsionado o aquecimento e o aumento da acidificação das águas superficiais, bem como a subida média global do nível dos mares. A atividade humana também pode ter contribuído para a redução dos níveis de oxigénio em muitas regiões superficiais do oceano desde meados do século XX. Além disso, tal como o IPCC observa, as alterações na biosfera terrestre desde 1970 são consistentes com o aquecimento global, pois as zonas climáticas (áreas com padrões meteorológicos específicos de longo prazo) deslocaram-se em direção aos polos em ambos os hemisférios. Em média, no Hemisfério Norte, cada década desde a de 1950 acrescentou até dois dias à estação vegetativa.

Todas estas alterações estão a ser observadas e comunicadas por cientistas de todo o mundo, [attribution science] que depois utilizam a ciência da atribuição para analisar as ligações entre um evento específico e o padrão mais amplo de influência humana no clima. O IPCC analisa esta literatura para criar uma imagem abrangente da forma como as alterações climáticas se manifestam para além de apenas um gráfico de temperatura.

Todas estas alterações em grande escala nos parâmetros básicos da atmosfera, do oceano e do solo, com variabilidade adicional entre regiões, desencadeiam cascatas de alterações menores nos padrões meteorológicos ou ecossistemas que podem criar perigos para os seres humanos e outros seres vivos. As condições geográficas, socioeconómicas e outras afetam o grau de exposição e vulnerabilidade das comunidades a estes perigos e respetivas consequências adversas. Esta combinação de perigos, exposição e vulnerabilidade cria o conceito de risco climático, que o IPCC utiliza no seu relatório sobre os impactos e a adaptação como uma estrutura para compreender “os impactos cada vez mais graves, interligados e muitas vezes irreversíveis das alterações climáticas nos ecossistemas, na biodiversidade e nos sistemas humanos.”

Embora o Grupo de Trabalho I do IPCC descreva a base científica das alterações climáticas em termos de média global, nenhum habitante da Terra está realmente a ser diretamente afetado por estas médias globais: todos os impactos das alterações climáticas são locais e regionais. Por este motivo, o relatório do Grupo de Trabalho II sobre os impactos e a adaptação apresenta avaliações detalhadas para África, Ásia, Australásia, América Central e do Sul, Europa e América do Norte, bem como pequenas ilhas de todo o mundo. Também inclui vários artigos entre capítulos sobre regiões que são particularmente importantes para a adaptação por um conjunto de razões únicas, como regiões montanhosas e polares, desertos, cidades costeiras ou florestas tropicais e pontos cruciais de biodiversidade.

O relatório do Grupo de Trabalho I inclui uma ferramenta interativa para analisar as informações sobre alterações climáticas observadas e previstas no espaço e no tempo. O relatório do Grupo de Trabalho II também fornece uma exploração detalhada da história sobre os impactos climáticos e a adaptação conforme contada no respetivo resumo para os decisores políticos. Aqui, iremos falar sobre alguns sinais reveladores das alterações climáticas além da temperatura e sobre a forma como afetam as pessoas.

Como é que as alterações climáticas afetam os glaciares, o pergelissolo e os mantos de gelo?

O Ártico e o Antártico, bem como vastas áreas de pergelissolo e glaciares montanhosos constituem a criosfera terrestre: o nosso ambiente de neve e gelo. Estas partes mais frias do mundo são particularmente vulneráveis às alterações climáticas e respetivos impactos, sendo a criosfera um indicador sensível destes processos. Por este motivo, o IPCC elaborou um relatório especial sobre o oceano e a criosfera num clima em mudança (SROCC , Special Report on the Ocean and Cryosphere in a Changing Climate) em 2019.

O impacto mais proeminente das alterações climáticas na criosfera tem sido a sua rápida diminuição: o aquecimento global das últimas décadas provocou a perda de massa dos mantos de gelo e glaciares e a perda do gelo marinho do Ártico – este tem vindo a ficar mais fino e “recente” à medida que o gelo mais antigo e plurianual derrete. Além disso, as temperaturas do pergelissolo têm subido gradualmente, com alguns degelos locais que danificam a estrutura e expõem as pessoas a doenças perigosas, como o carbúnculo. A perda de glaciares também afeta os seres humanos, visto que muitas comunidades de regiões montanhosas dependem dos glaciares para o seu abastecimento de água doce.

O próprio aquecimento da criosfera pode afetar o sistema climático, criando os chamados feedbacks. A neve e o gelo possuem um albedo (refletividade da superfície) mais elevado do que o solo descoberto e a cobertura de neve isola o solo, impedindo que este aqueça. À medida que a neve e o gelo desaparecem e as superfícies ficam mais escuras, aquecem mais. Um fator crucial é que existe mais carbono retido no pergelissolo do que atualmente na atmosfera – à medida que as temperaturas sobem e o solo congelado derrete, este pode tornar-se uma fonte importante de metano e dióxido de carbono.

Como é que as alterações climáticas afetam as zonas costeiras?

Dhana Kencana / Climate Visuals

Os impactos das alterações climáticas nas zonas costeiras, ecossistemas e povoações incluem fenómenos de início lento, como a subida do nível dos mares e a acidificação dos oceanos, bem como o aumento de tempestades devastadoras. De acordo com o IPCC, o nível médio global dos mares subiu cerca de 20 centímetros entre 1901 e 2018. Em algumas regiões, a subida relativa (local) do nível dos mares pode ser maior do que a média global devido a outros fatores em jogo, como movimentos tectónicos ou explorações de petróleo.

Os habitats costeiros já se estão a perder devido à erosão da terra, inundações permanentes e intrusão de água salgada, o que tem consequências para a biodiversidade, os meios de subsistência das pessoas, a circulação oceânica e os ciclos biogeoquímicos que vão muito além das próprias costas. Além disso, uma vez que os ecossistemas costeiros são um importante sumidouro de carbono, que capturam e armazenam carbono da atmosfera, a sua degradação pode aumentar a pressão sobre o clima causada pela atividade humana.

Como costuma acontecer, as alterações climáticas agravam os tipos de problemas que as zonas costeiras enfrentam, como o aumento da pressão causado pela urbanização e pela atividade económica. Estas ameaças climáticas e não climáticas podem amplificar-se entre si e aumentar a vulnerabilidade dos sistemas humanos e naturais. Este facto é especialmente relevante, tendo em conta que os dados da ONU sugerem que cerca de 40% da população mundial vive a 100 quilómetros da costa.

Como é que as alterações climáticas afetam as cidades?

Ashden / Ashden

Mais de metade da população mundial vive atualmente em cidades e a ONU prevê que este número chegue a cerca de 5 mil milhões até 2030. Isto significa que as cidades e as respetivas populações suportam muitos riscos climáticos atuais e futuros. Impactos como fenómenos meteorológicos extremos podem provocar danos em infraestruturas vitais, habitações e serviços básicos, tornando os residentes mais vulneráveis a estas ocorrências.

Um exemplo concreto da interação entre as alterações climáticas e o desenvolvimento urbano está relacionado com as ilhas de calor urbano. As grandes cidades, com a sua vegetação escassa, elevada densidade populacional e betão e asfalto nos edifícios e ruas, costumam ter temperaturas ambientes mais elevadas do que as áreas circundantes. Isto significa que as vagas de calor, cada vez mais frequentes e intensas devido às alterações climáticas, são muito mais difíceis de tolerar e de suportar num ambiente urbano.

As cidades também apresentam muitas oportunidades para resolver estes problemas. As estimativas do PNUA sugerem que as cidades são responsáveis por 75% das emissões de CO2 a nível global, com os transportes e os edifícios entre os maiores contribuintes. Deste modo, melhorar a eficiência energética, desenvolver os transportes públicos e abordar outras questões ambientais em áreas urbanas pode melhorar o bem-estar e contribuir muito para o combate às alterações climáticas.

Para analisar estes impactos e oportunidades, o IPCC pretende elaborar um Relatório Especial sobre as alterações climáticas e as cidades no seu sétimo ciclo de avaliação, que terá início em julho de 2023 e uma duração de cinco a sete anos.